Essa frase pode causar bastante estranheza na maioria das pessoas, mas há alguns anos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o tabagismo uma doença pediátrica porque a maioria dos fumantes se torna dependente antes de completar 19 anos, ou seja, enquanto ainda está sob os cuidados da Pediatria. Mais assustador ainda é o dado de vários estudos que mostram que na imensa maioria dos casos, a idade média de iniciação ao tabagismo é em torno de 15 anos. Além da questão da inicialização e uso do fumo na adolescência, a pediatria está diretamente envolvida ainda com o tabagismo na gestação, repercussões na criança, fumo passivo na infância e hoje com fumo de terceira mão.
Estudos populacionais já realizados no Brasil (Possato et al) mostraram que uma emcada quatro gestantes eram fumantes e cerca de metade delas não conseguia abandonar o hábito, mesmo depois de alertada sobre os riscos.
Números mais alarmantes, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, é a porcentagem de gestantes adolescentes tabagistas, com menos de 20 anos (Murim et al). Os efeitos deletérios do tabagismo na gestação são vários como risco de abortamento retardo de crescimento intrauterino, alterações placentárias, maior risco de infecções, parto prematuro e redução do peso ao nascer. A nicotina é a principal responsável pelos riscos, tendo ação direta sobre os vasos sanguíneos uterinos e placentários, com redução da oxigenação ao feto, agindo ainda de forma prejudicial sobre o sistema nervoso, respiratório e adrenal do feto. Importante ressaltar que mesmo tabagismo passivo de gestantes, ou seja, conviver com fumantes, pode causar sérios riscos a sua saúde e a do feto.
Nos primeiros meses de vida, a criança exposta ao cigarro tem maior risco de doenças respiratórias, com tosse crônica, crises de chiado de repetição, rinite, laringite, otite, pneumonia entre outras manifestações possíveis. Alguns estudos mostram relação com maior risco de morte súbita infantil além de acometimento intelectual e imunológico, com maior incidência de idas ao PS e uso de antibiótico.
Evidências mostram que exposição ao tabagismo durante a gestação e primeira infância funciona como fator de predisposição para inicialização do hábito de fumar na adolescência. Por isso, além do exemplo do não fumar ser importantíssimo para se filho, a manutenção do hábito pode influenciar de forma direta o desfecho do tabagismo na vida dessa criança. Você sabe o que é tabagismo ou fumo de terceira mão?? Esse ainda é um conceito relativamente novo e consiste quando uma pessoa entra em contato com as partículas tóxicas do cigarro que se depositam em roupas e objetos e que permanecem nesses locais mesmo depois que o cigarro é apagado. Essas partículas são trazidas pela fumaça do cigarro e permanecem em todos os locais, como paredes, carpete, sofá, interior do carro, etc.
A deposição dessas substâncias é cumulativa, formando como camadas nesses locais, uma sobre a outra a cada cigarro fumado. Por isso, fumar na sacada ou no quintal tem problema sim e acarreta riscos não apenas para o próprio fumante, mas para toda a família.
A fumaça do cigarro é muito agressiva, contendo cerca de 250 toxinas, algumas muito perigosas como cianeto (presente em armas químicas), arsênico (presente em veneno de rato) e chumbo. Os danos do contato causados por essas substâncias são muito maiores para os bebês e crianças, pois o cérebro em desenvolvimento é muito mais sensível a ação dessas toxinas. As crianças possuem respiração naturalmente mais acelerada, inalando mais poeira e toxinas, colocam a mão em muitos locais diferentes, inclusive no chão e após na boca, ingerindo todos esses produtos. O fumo de terceira mão está comprovadamente ligado ao desenvolvimento de várias doenças.
Finalizando agora sobre a adolescência, sabemos que esse é um período dedescobertas, onde eles buscam autonomia sobre suas decisões, emoções e ações habitualmente com exploração intensa de vários momentos. Essa mesma característica de exploração, abre caminho para experimentações, com maior susceptibilidade a situações de violência, uso de tabaco, álcool e drogas. É considerado uma época de grande risco para iniciação do hábito de fumar, pois estatísticas mostram que um em cada três fumantes adolescentes, fumarão para o resto da vida. Um estudo alemão (Muenster et al 2011) avaliou perfil de crianças e adolescentes entre 7 a 17 anos, detectando que a cada 20 entrevistados, um havia experimentado cigarro ao menos 1x na vida.
No Brasil, estudo conduzido pelo Dr. João Paulo Lotufo, da Sociedade Brasileira de Pediatria entrevistando 1000 crianças em escola de classe alta em São Paulo, constatou que entre 7 a 10 anos, uma em cada cem crianças já haviam fumado um cigarro e entre 11 a 14 anos, cinco a cada cem já haviam fumado um cigarro inteiro. Além de todos os prejuízos do fumo, doenças respiratórias, cardiovascular e neoplásicas no futuro, outros riscos se somam aos adolescentes, pelo uso de cigarro mentolado, eletrônico, narguille, além de outras drogas, hábitos de grande probabilidade para evolução para doenças graves, inclusive algumas delas com potencial para evolução para o óbito.
São considerados fatores de risco para o fumo na adolescência, ter pais fumantes, a oferta de cigarros em casa, desconhecimento das doenças futuras causadas pelo cigarro, falta de rigidez na educação do não fumar o que implica inclusive no desprezo da possibilidade de vício do adolescente. É muito difícil convencer um adolescente do não fumar quando os pais são fumantes. É esperado que os filhos queiram seguir os modelos apresentados pelos pais.
Por isso, os pais procurarem ajuda e tratamento é fundamental. Tabagismo é uma doença e tem tratamento!!! A interrupção do hábito nos pais é fundamental para prevenção do vício em gerações futuras. Tabagista, não deixe para depois, busque ajuda pensando em você e na sua família!!!
Dra Daniela Vinhas Bertolini, Pediatria e Infectologia Pediátrica – CRM 85228