Após mais de 30 anos da descrição dos primeiros casos de Aids no Brasil e no mundo, assistimos a uma grande mudança no seu perfil, com a transição de uma patologia grave para uma doença crônica controlável, desde que o tratamento seja feito regularmente.
A presença de campanhas estimulando a população a realizar a testagem para o vírus HIV, possibilita o diagnóstico precoce e com isso a introdução de tratamento em fases iniciais da infecção, garantindo uma boa evolução do caso. Além disso, os avanços na terapêutica, com a presença de medicamentos com posologia mais simplificada e menores efeitos colaterais, além da disponibilidade de exames de monitoramento mais precisos, fizeram com que os pacientes pudessem ter uma melhor qualidade de vida na convivência com o vírus. Obviamente, assim como qualquer outra doença crônica, a boa adesão do paciente ao seguimento e ao uso da medicação é peça fundamental para melhores resultados ao tratamento.
Parte integrante da grande mudança do perfil da doença foi a redução da transmissão vertical do HIV, ou seja, a transmissão do vírus da mãe para o seu filho, seja essa quando ocorre durante a gestação, parto ou aleitamento materno. Dentro da preconização de testagem regular da população, está a orientação de que todo casal com intenção de engravidar, planejem essa gestação não apenas do ponto de vista econômico e da fase da vida, mas também no seu aspecto de saúde. Dessa forma, todo casal que planeja esse momento tão especial, que é a chegada de um filho, deve realizar antes da gestação vários exames, o que inclui avaliação de algumas doenças sexualmente transmissíveis, entre elas o HIV. Essa testagem deve ser feita tanto no homem quanto na mulher.
Quando estamos à frente de um casal em que ambos são infectados, esses serão tratados com medicações para o HIV, e após o controle da infecção serão liberados para que ocorra a gestação. Essa preparação para a gravidez reduz em muito risco de infecção para o futuro bebê.
Se estivermos frente ao um casal sorodiscordante, no qual a mulher é infectada e o homem não, ou o inverso, medidas de orientação serão feitas para que não ocorra a infecção para esse parceiro(a) e o tratamento será instituído para o paciente. Alguns casos poderão ser encaminhados para serviços de reprodução assistida para assessorar esse momento da gestação.
Em casos de parceiros sorodiscordantes, sempre deve ser utilizado o preservativo masculino ou feminino e em casos de exposição acidental ao vírus (como ruptura de preservativo), pode-se introduzir um esquema de medicação antirretroviral (contra o HIV) por 28 dias para a(o) parceira(o) não infectado chamado PEP (profilaxia pós exposição), diminuindo muito a chance de infecção.
Quando estivermos frente a uma gestação de uma mulher já infectada pelo vírus, essa receberá durante toda a gestação medicação antirretroviral, o que fará com que sua infecção fique bem controlada. Será escolhida a melhor via de parto a depender dos resultados de seus exames de monitoramento do HIV. No momento do parto ela receberá uma dose elevada, endovenosa de medicação para o HIV e o bebê iniciará logo após o parto uso de medicação, que será mantida por 28 dias. Todas essas medidas são associadas a contra-indicação do aleitamento materno, já que esse funciona como importante forma de transmissão do vírus para o bebê. A reunião de todas essas condutas somadas, permitem que a taxa de transmissão do vírus da mãe para o bebê seja extremamente baixa, girando em torno de 0-2%, ou seja, mães infectadas pelo HIV são capazes de gerar crianças saudáveis.
Após a alta da maternidade esses bebês serão encaminhados ao infectologista infantil para seguimento e investigação da infecção pelo vírus. Habitualmente até o 4° mês de vida já é possível termos uma conclusão dessa investigação laboratorial, podendo tranquilizar os pais de que tudo deu certo e a criança não é infectada, quando os exames trouxerem essa informação. Outros monitoramentos serão feitos pelo infectologista infantil, principalmente de efeitos colaterais da exposição às medicações e por isso o seguimento clínico com esse profissional acaba sendo mais prolongado.
É muito importante destacarmos aqui que as mulheres não infectadas devem realizar obrigatoriamente a testagem para o HIV durante o pré-natal no primeiro e no terceiro trimestre de gestação, assim como no momento do parto. Outras testagens, em outros momentos, podem ser realizadas, caso haja alguma exposição de risco. Essa repetição é necessária, já que a infecção pelo HIV pode ocorrer em qualquer fase da vida, inclusive na gestação ou próximo ao parto e caso isso ocorra, medidas podem ser introduzidas para proteção da infecção para esse futuro bebê, sendo através do diagnóstico materno, que conseguiremos a boa evolução dessa criança.
Além disso, outro momento crítico que deve se prestar muita atenção, é durante o aleitamento materno. Existem casos de crianças infectadas pelo vírus durante essa fase, filhas de mães comprovadamente negativas na gestação e no parto, mas que em algum momento da amamentação se infectaram. Por ser uma infecção recente na mulher, as taxas de vírus são elevadíssimas e com isso a chance de infecção para essa criança é enorme. Portanto o uso do preservativo masculino ou feminino nas relações sexuais deve ser estimulado em mulheres em período de aleitamento não infectadas pelo HIV, justamente para proteção da infecção nessa fase tão delicada para o bebê.
Vimos com isso que existem grandes possibilidades de tratamento e proteção da saúde da criança. Vamos todos realizar a testagem regular não apenas para o HIV, mas para outras doenças sexualmente transmissíveis. Em caso de dúvidas, procure auxílio médico.
Dra. Daniela Vinhas Bertolini, Pediatria e Infectologista Pediátrica – CRM 85228