Nenhuma ação e investimento em saúde ofereceu retorno tão eficaz e transformador quanto a vacinação. Ela produziu efeito bastante expressivo na redução da mortalidade e no crescimento populacional mundial, gerando benefícios diretos e indiretos com melhorias das condições de saúde e bem-estar da população, economia para sociedade com redução dos custos com consultas, tratamentos, internações, além de impacto na diminuição absenteísmo escolar e do trabalho.
O século XX foi marcado com o início da vacinação de rotina nas grandes populações, trazendo sempre novidades e novas perspectivas constantes na área de imunizações, totalizando mais de 1 bilhão de crianças vacinadas na última década. Apesar desse enorme número, a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima que cerca de 19,7 milhões de crianças menores de um ano não receberam vacinas básicas no mundo1.
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi criado em 1973, mas campanhas de vacinação já aconteciam antes disso, há mais de 100 anos. Ele é responsável pela organização da política nacional de vacinação na população brasileira, sendo uma referência internacional de política pública de saúde, com erradicação de doenças de alcance mundial como varíola e poliomielite. A população brasileira tem acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela OMS2.
Respeitar e receber as vacinas nos momentos e intervalos preconizados é fundamental para o sucesso do esquema vacinal, em termos de proteção e produção de anticorpos. Quando acontecem atrasos das datas, a proteção não pode ser garantida na sua totalidade. Os intervalos estipulados são sempre frutos de estudos científicos sérios sendo dessa maneira que é atingida a proteção máxima.
Possuímos um calendário vacinal bastante amplo pelo Ministério da Saúde do Brasil (MS), com esquemas específicos para crianças, adolescentes, adultos, idosos, gestantes e populações especiais que apresentam situações clínicas de base, como diabetes, infecção pelo HIV, câncer, entre outras situações3. Possuímos ainda um calendário vacinal disponibilizado pelas clínicas privadas de vacinação, preconizado pelas Sociedades científicas, principalmente a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e de Imunizações (SBIm). Esse é mais ampliado em comparação ao disponibilizado pelo Ministério da Saúde, passando por atualizações mais frequentes, quando novas vacinas chegam ao Brasil e são licenciadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a ANS.
Os objetivos principais do calendário vacinal do MS são proteção da população, diminuição da carga da doença, ou seja, hospitalização, casos graves, óbitos e controle de doenças com possível eliminação e erradicação. Já os calendários da SBP e SBIm visam proteção individual, com foco no indivíduo, utilizando das melhores e mais atualizadas referências científicas de proteção individual. Sempre que a família tem oportunidade de utilizar-se desse calendário mais ampliado, o ideal é que o use, para que atinga uma proteção mais ampla, especialmente quando discutimos vacinas que existem na rede privada mas não na pública. Tanto no calendário público quanto no privado, é possível a vacinação combinada, com a utilização de vacinas associadas em uma mesma injeção trazendo maior comodidade para o paciente além de aumentar a adesão ao esquema utilizado.
Estamos assistindo a nível mundial, e o Brasil não funciona diferente, a uma queda nas coberturas vacinais de forma geral, em praticamente todas as vacinas disponíveis. Esse já era um problema previamente a pandemia, devido as fake news e movimento antivacinas, e se agravou muito com a situação do isolamento social gerado pelo COVID-19. Infelizmente a população deixou de levar as crianças para vacinação, atrasou intervalos recomendados, abrindo possibilidade para o ressurgimento de várias doenças já controladas previamente ou dificultando o controle das que já estavam ocorrendo.
Situação extremamente preocupante acontece com o sarampo. Brasil havia já conquistado a certificação de eliminação de circulação do vírus do sarampo em 2016 e a perdeu em 2019, devido ao reaparecimento dos casos devido a presença de bolsões na população não imunizada. A OMS recomenda coberturas vacinais de 95% da população e chegamos a taxas de 80% de cobertura vacinal4. Sarampo é uma doença grave, com alta taxa de hospitalizações e possibilidade de óbito, totalmente prevenível pela vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), dada aos 12 e 15 meses, com dose extra atualmente aos 6 meses em todo território nacional para controle dos casos. Pessoas até 59 anos, não imunizadas, também devem receber a vacina.
A febre amarela iniciou o surto no Brasil em final de 2016. Desde então, a doença caminha em ritmo acelerado, com número bastante expressivo de casos. Trata-se também de doença muito grave, com potencial evolução para hospitalização e óbito, prevenível também pela vacina contra febre amarela, aplicada em todo território nacional, à partir dos 9 meses de idade. As taxas de cobertura vacinal chegavam a 44,5% em 2016 quando tivemos o ressurgimento da doença. Apesar de todos os esforços do MS, as taxas de cobertura vacinal em 2019 foram de 61,3%, ou seja, muitíssimo menor do preconizado e necessário para controle da doença5.
A difteria é um terceiro exemplo de doença bastante grave, transmissível, com potencial de gravidade por ocasionar dificuldade respiratória, podendo levar ao óbito. A principal forma de prevenção é através de vacina tríplice bacteriana (DPT), aplicada atualmente com a vacina pentavalente, conjugada com outras vacinas6. O Brasil não tem assistido o surgimento de novos casos, porém países vizinhos ao Brasil, como Venezuela e Colômbia apresentam casos, além do fato das coberturas vacinais do Brasil estarem em queda, com alguns estados como Pará chegando a 40% em 2019. Esse panorama coloca o Brasil em situação vulnerável, com risco contínuo de assistirmos a um surto de difteria.
Manter o esquema vacinal sempre em dia, colabora na prevenção dessas e de todas as doenças contempladas pelas vacinas. Mesmo na pandemia é importante respeitar a programação. A ausência das vacinas sempre coloca as crianças e familiares em risco. Em caso de dúvida, procure sempre um profissional da saúde para orientações.
Referências Bibliográficas
- World Health Organization (WHO). Immunization coverage. Acesso em 21/08/2020 em https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/immunization-coverage
- Ministério da Saúde do Brasil. Sobre o programa. Acesso em 21/08/2020 em https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/vacinacao/sobre-o-programa#:~:text=Hist%C3%B3ria%20da%20vacina%C3%A7%C3%A3o%20no%20Brasil&text=Em%201973%20foi%20formulado%20o,pela%20reduzida%20%C3%A1rea%20de%20cobertura.
- Ministério da Saúde do Brasil. Vacinação: quais são as vacinas, para que servem, por que vacinar, mitos. Acesso em 21/08/2020 em https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/vacinacao/vacine-se#calendario
- OPAS Brasil. Região das Américas confirma mais de 15 mil casos de sarampo neste ano; OPAS colabora com envio de vacinas. Acesso em 21/08/2020 em https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6083:regiao-das-americas-confirma-mais-de-15-mil-casos-de-sarampo-neste-ano-opas-apoia-envio-de-
- vacinas&Itemid=812#:~:text=Vacina%C3%A7%C3%A3o%20nas%20Am%C3%A9ricas-,Regi%C3%A3o%20das%20Am%C3%A9ricas%20confirma%20mais%20de%2015%20mil%20casos%20de,neste%20ano%2C%20incluindo%2018%20mortes.
- Ministério da Saúde do Brasil. Febre amarela: Ministério da Saúde inicia campanha de vacinação em seis estados. Acesso em 21/08/2020 em https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46544-febre-amarela-saude-inicia-campanha-de-vacinacao-em-seis-estados#:~:text=De%20acordo%20com%20dados%20preliminares,%2C5%25%20de%20cobertura%20vacinal.
- Ministério da Saúde do Brasil. Difteria: o que é, causas, sintomas, tratamento e prevenção. Acesso em 21/08/2020 em http://saude.gov.br/saude-de-a-z/difteria
Dra. Daniela Vinhas Bertolini, Pediatria e Infectologista Pediátrica – CRM 85228